O poder disciplinar numa sociedade de controle em A Metamorfose de Franz Kafka. Por Barbara Michele Murtha Passos

20/06/2012 23:18

 

 

 

O poder disciplinar numa sociedade de controle em A Metamorfose de Franz Kafka.

 

 Em sua obra A metamorfose Kafka faz uma crítica à sociedade contemporânea e ao mundo capitalista, onde narra o drama do caixeiro Gregor Samsa, que ao se ver transformado em uma barata, não tem nenhuma reação de desespero, mas sofre por não poder trabalhar naquele dia.

 O drama de Gregor assemelha-se à vida de tantos trabalhadores que exercem atividades burocráticas e que não conseguem romper com o automatismo, a dominação e a alienação de sua rotina cotidiana. Kafka faz a comparação desse trabalhador com a barata, o que pode ser interpretado como perda da dimensão humana.

 

“Certa manhã, após um sono conturbado, Gregor Samsa acordou e viu-se em sua cama transformado num inseto monstruoso. Deitado de costas sobre a própria carapuça ergueu a cabeça e enxergou seu ventre escurecido, acentuadamente curvo, com profundas saliências, onduladas, sobre o qual a colcha deslizava preste a cair. Suas inúmeras pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante seus olhos”.

 

 A obra em análise não conta somente a história de um homem que transformou-se num inseto repugnante, é sobretudo uma história de alerta à sociedade  e ao comportamento humano, retratando o sofrimento do homem perante os absurdos de um mundo capitalista; um trabalhador que não tem noção que suas atitudes são produzidas pela sociedade de controle, ele sempre faz o que é determinado e não o que é de sua vontade. São indivíduos governados, domesticados e dóceis que não tendo consciência de sua condição de dominados, fazem tudo o que lhes é imposto pelo capitalismo. Essa observação fica bem clara quando Gregor, ao perceber a tragédia que o acometera, ainda assim repreende-se por ter ficado um pouco mais em sua cama.

 

“Não é correto ficar tanto tempo na cama – disse para si mesmo”.

[...] “Preciso levantar-me antes das sete e quinze. Além disso, daqui a pouco, certamente a firma enviará alguém para saber de mim, pois eles abrem as sete”.

 

O que mais pode causar espanto na obra é o fato de Gregor tratar sua metamorfose de forma natural, como se fosse um simples resfriado. Não há um grito de desespero, a única preocupação dele era com o trabalho. Acordar cedo, apanhar o trem e prosseguir na sua lida de caixeiro viajante. A metamorfose é recebida por Gregor como uma espécie de embaraço que o impede de dar prosseguimento à sua vida, à sua rotina.

A família, a princípio, sustenta sua existência monstruosa, mas não tarda a se desfazer do peso morto, sentindo-se lesada, pois se antes viviam como parasitas à custa do trabalho de Gregor e de sua alienação; depois, deserdados pela metamorfose sofrida, passa então a vê-lo como um inseto, um parasita, abandonado a um quarto de bagunça, até que morre e é varrido pela empregada da casa. E a família comemora o fato com um passeio no campo.

 

Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”. (Michel Foucault – “Os corpos dóceis”).

 

 Apesar de escrita no início do século XX, a obra permanece atual, porque explora temas característicos da nossa sociedade como a crise existencial, a desesperança do ser, o pessimismo e a solidão. Um mundo consumista, onde a importância do homem está somente no que ele é capaz de produzir. Você é aquilo que você tem, é o seu carro, sua roupa de marca, isso é o que conta.

 

A Metamorfose é uma profunda crítica à sociedade alienada e também àqueles que descartam os que não se comportam como esperado pela sociedade de controle. Mesmo a família não dá acolhida ao membro sem utilidade. O que não é útil, não é interessante, não tem valor.

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